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do nascimento. Karl Philipp Moritz, que soube fazer em Anton
Reiser uma autobiografia na qual se tecem estreitamente seus so-
nhos e suas lembranças, freqüentou esses preâmbulos da existên-
cia. As idéias da infância são talvez, diz ele, o vínculo impercep-
tível que nos liga a estados anteriores, se pelo menos este que
é agora o nosso eu já existiu uma vez, em outras condições.
"Nossa infância seria então o Letes onde teríamos bebido pa-
ra não nos dissolvermos no Todo anterior e por vir, para termos
uma personalidade convenientemente delimitada. Estamos colo-
cados numa espécie de labirinto; não encontramos o fio que nos
permitiria sair e talvez não devêssemos encontrá-lo. Eis por que
ligamos o fio da História ao lugar onde se rompe o fio das nossas
lembranças (pessoais) e vivemos, quando nossa própria existên-
cia nos escapa, na dos nossos ancestrais."17
O psicólogo da psicologia das crianças tende a rotular, preci-
pitadamente, de metafísica tais devaneios. Para ele estes serão
totalmente vãos, pois constituem devaneios que não estão ao al-
cance de todos ou que os mais loucos dos sonhadores não ousa-
riam dizer. Mas o fato permanece: esse devaneio foi feito; recebeu
de um grande sonhador, de um grande escritor, a dignidade da
escritura. E essas loucuras, esses sonhos vãos e essas páginas
17. Citado por Albert Béguin, L'âme romantique et Le rêve,\". ed., t. I, p. 83-4.
É nessa consciência de penumbra que se devem ler as estâncias de Saint John
Perse:
... Quem sabe ainda o lugar do seu nascimento? (Citado por Alain Bosquet, Saint
John Perse, ed. Seghers, p. 56.)
108 A POÉTICA DO DEVANEIO
aberrantes encontram leitores que por eles se apaixonam. Albert
Béguin, após haver citado a página de Moritz, acrescenta que
Carl Gustav Carus, médico e psicólogo, dizia que "para observa-
ções dessa profundeza daria todas as memórias que inundam
a literatura".
Os sonhos de labirinto evocados pelo devaneio de Moritz não
se explicam por experiências vividas. Não se formam com ansie-
dades de corredores18. Não é com experiências que os grandes
sonhadores da infância se perguntam: De onde viemos? Há talvez
uma saída para a consciência clara, mas onde era a entrada do
labirinto? Nietzsche diz: "Se quiséssemos esboçar uma arquite-
tura conforme à estrutura de nossa alma..., seria necessário con-
cebê-la à imagem do Labirinto."19 Um labirinto de paredes moles
entre as quais caminha, desliza o sonhador. E, de um sonho para
outro, o labirinto muda.
Uma "noite dos tempos" está em nós. Aquela que se "apren-
de" pela pré-história, pela história, pelo alinhamento das "dinas-
tias" não poderia jamais ser uma "noite dos tempos" vivida.
Que sonhador poderá compreender como com dez séculos se faz
um milênio? Que nos deixem, portanto, sonhar sem algarismos
nossa juventude, nossa infância, a Infância. Ah, como esses tem-
pos vão longe! Como é antigo o nosso milênio íntimo! aquele
que está em nós, que é nosso, pronto a engolir o antes-de-nós!
Quando se sonha a fundo, nunca se pára de começar. Novalis
escreveu:
Aller wirklicher Anfang íst ein zweiter Moment. '"
Todo começo efetivo é um segundo momento.
Num tal devaneio voltado para a infância, a profundidade
do tempo não é uma metáfora tomada de empréstimo a medidas
18. Também não evocamos, analisando tais devaneios, o trauma do nasci-
mento estudado pelo psicanalista Otto Rank. Esses pesadelos, esses sofrimentos,
pertencem ao domínio do sonho noturno. Teremos ocasião, mais adiante, de subli-
nhar a diferença profunda que separa o onirismo do sonho da noite e o onirismo
do devaneio acordado.
19. Nietzsche, Aurore, trad. francesa, p. 169.
20. Novalis Schriften, ed. Minor, Iena, 1907, t. II, p. 179.
OS DEVANEIOS VOLTADOS PARA A INFÂNCIA 109
de espaço. A profundidade do tempo é concreta, concretamente
temporal. Basta sonhar com um grande sonhador de infância co-
mo Moritz para tremer diante dessa profundidade.
Quando, no fastígio da idade, no fim da idade, vislumbramos
tais devaneios, recuamos um pouco porque reconhecemos que a in-
fância é o poço do ser. Sonhando assim a infância insondável, que é
um arquétipo, bem sei que sou tomado por um outro arquétipo. O
poço é um arquétipo, uma das imagens mais graves da alma humana21.
Essa água negra e longínqua pode marcar uma infância. Ela refle-
tiu um rosto espantado. Seu espelho não é o da fonte. Um Narciso [ Pobierz caÅ‚ość w formacie PDF ]

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